O sol ainda começava a raiar por entre as cortinas e já algures lá fora um galo “dava” a hora, qual relógio de uma torre sineira. Era ainda cedo, mas com a Estrada Nacional 2 (N2) à espera nunca é cedo para levantar, mesmo sendo 2ª feira (e bem sabemos o quanto costumam custar as 2ªs feiras). Mas esta não era de todo típica e, após um revigorante pequeno almoço com produtos caseiros da Quinta da Pousada, despedimo-nos de quem tão bem nos recebeu e descemos até ao Peso da Régua (Km 88). Ladeado pelo Douro e com vistas maravilhosas sobre as vinhas, onde da outra margem se destaca um imponente painel de um homem de capa e chapéu de uma conhecida marca de vinho do Porto, esta localidade é quase como que uma abonada pela sua localização privilegiada. Depois de vaguearmos pelas suas ruas e de recolhermos o carimbo no posto interactivo de Turismo (carimbos que continuam a ser a dobrar para nós: guia e passaporte), tivemos de desistir da ideia de atravessar a famosa ponte pedonal da cidade, por se encontrar em manutenção. Claro que não pudemos sair de lá sem nos reabastecermos num supermercado, pois estávamos com aquele feeling de que hoje também teríamos, algures na estrada, uma vista única à nossa espera para um piquenique ao almoço.
Daqui, fizemos o nosso primeiro pequeno desvio da N2 deste dia. Tinham-nos falado de um miradouro imperdível sobre o Douro, de seu nome Leonardo de Galafura. Galafura é uma pequena localidade perto do Peso da Régua e, se o caminho até lá já foi maravilhoso com a quantidade de vales com vinhas ao nosso redor, a vista quando atingimos o miradouro é inexplicável. Lá em baixo, o Douro desliza suavemente e com solenidade, dando a sensação de perceber que aqui e em vários pontos é admirado por tanta gente.
Regressando ao troço da N2, esperava-nos de seguida a cidade de Lamego (Km 102). É impossível ficarmos indiferentes quando chegamos ao centro da cidade, onde edifícios como a Sé e até a Câmara Municipal mantêm traços únicos, conferindo a toda esta praça uma aura muito especial. Mas o auge está mesmo na monumental escadaria de 686 degraus e no Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, arriscando a dizer que é esta a imagem de marca da cidade, que se ergue ali perto. O calor tornava-se abrasador, a hora de almoço aproximava-se rapidamente e não resistimos a parar para provar a famosa “bôla” de Lamego, numa casa sugerida por locais, que estava óptima e nos encheu as medidas. Não pudemos partir sem passar também aqui pelo Posto Interactivo de Turismo para carimbarmos e registarmos a passagem por esta bela cidade, atravessada pela N2.
Um pouco sem nos apercebermos, em Lamego já tínhamos completado os primeiros 100km de estrada. Mais adiante erguia-se imponente, à nossa direita, a Serra do Montemuro e era ao seu topo que planeávamos ir tambem, na nossa 2ª “pequena fuga” do dia à N2. Parece que estou a justificar-me quando digo que fizemos uma “pequena fuga” à N2… Mas não o fazemos porque a tivéssemos achado insuficiente mas, muito pelo contrário, por ser tão rica e tão vasta no seu interior e ao seu redor, não conseguimos deixar escapar e tentar também visitar pequenos detalhes ao longo do seu caminho. Era o caso desta Serra, onde nos disseram que do seu topo tínhamos uma vista cénica. E a vista não desiludiu de todo! Se há coisa que esta viagem nos tem habituado é a este tipo de vistas, onde todo o mundo nos parece caber na palma da mão. Lá no topo, uma pequena fonte de água potável era paragem recorrente de muita gente que ali passava para se refrescar e, também nós o fizemos, em parte para saciar a sede resultante do calor que se fazia sentir e, por outro lado, também para nos “despertar”, porque dava a sensação que tanta coisa maravilhosa ao nosso redor não passava de um sonho…
Seguiu-se o regresso à N2 e, já no km 134, chegamos à pacata vila de Castro Daire. Não sabemos se pelo calor que se fazia sentir ou até mesmo pelos tempos atípicos actuais, o movimento nas ruas não era muito… Sendo também um dos pontos a registar no passaporte da N2, dirigimo-nos à Sede dos Bombeiros Voluntários de Castro Verde para o carimbo. Como já partilhámos, inicialmente, quando nos disseram que também havia pontos em que os carimbos podiam ser recolhidos nos bombeiros, fomos um pouco a medo por estar a (eventualmente) atrapalhá-los nas suas funções, infelizmente tão atribuladas nesta época do ano. Dúvidas houvesse, em Castro Daire estas dissiparam-se! Actualmente numas instalações provisórias, logo que nos viram aproximar com o passaporte e o livro em punho, dois bombeiros que se encontravam na entrada cumprimentaram-nos como se nos conhecessem desde sempre e disseram-nos logo onde nos devíamos dirigir. Rapidamente, e com as respectivas máscaras e após desinfeção de mãos, estávamos no interior da “central” e tínhamos já mais carimbos para a conta pessoal. À saída, os mesmos bombeiros ainda lá se encontravam e disseram a frase que mais ouvíamos por estes dias: “Façam boa viagem!”. Cada vez mais temos a certeza que esta viagem começa e acaba na estrada, mas são as pessoas com quem nos vamos cruzando que dão cor ao que os nossos olhos vão captando.
O calor continuava a não dar trégua e, ali perto também ela num curto desvio da N2, encontrámos a Praia Fluvial da Folgosa. Estão a ver aqueles filmes em que, algures no deserto e na imensidão do calor, se avista uma miragem? Foi o que sentimos ao ver aquela água cristalina e com uma temperatura óptima, que após um mergulho nos fez esquecer por momentos o calor que se fazia sentir. À nossa volta, várias famílias estavam reunidas, também elas a aproveitar cada pedaço sítio especial. Foi aqui que nos lembrámos que, com a saciedade que a Bôla de Lamego nos deu, a tarde já ia a meio e ainda não tínhamos feito o almoço, digno desse nome. Foi então mesmo ali que “almoçámos” (a meio da tarde), mais uma vez com uma vista fantástica, que dificilmente encontraríamos noutro local.
Voltámos ao ponto que tínhamos desviado da N2 e, pouco antes de chegarmos a Viseu queríamos fazer uma última paragem, no chamado Baloiço da Pedreira. Na aldeia de Cela (ainda pertencente a Castro Daire), este baloiço foi colocado numa pedreira desactivada e está virado para um lago de cores azuis fortes, certamente influenciado dos componentes calcários das pedras ainda ali existentes. Um espaço agradável, cuidado e com detalhes especiais, que se encontrava completamente por nossa conta. Ali, o silêncio que imperava era apenas esporadicamente interrompido por algum carro que passava ao longe ou pelo cantar dos pássaros que se agitavam nas árvores circundantes.
Fazíamo-nos novamente à estrada e percorremos os últimos Km do dia na N2. Após avistarmos a placa do km 170, chegávamos por fim à cidade de Viseu. A vantagem de fazermos esta viagem no Verão é que temos mais horas de sol durante o dia, o que nos dá mais margem de manobra para o caso de nos “perdermos” nas horas ao longo do dia, permitindo-nos aproveitar cada raio de luz até ao fim! Não deixámos ainda de percorrer o centro histórico da cidade, onde a Sé se destaca imponente, ganhando já uma coloração mágica de fim de dia. As esplanadas encontravam-se animadas, com os devidos cuidados, conferindo um ambiente até bastante familiar e acolhedor a quem, como nós, acabava de chegar… Era hora de retemperar energias porque o dia seguinte iria ser novamente intenso e haveria ainda mais de Viseu para descobrir, antes de nos tornarmos a fazer ao caminho.









